Confusão de bicos – Afinal, o que é?! Mito ou verdade?

Estamos encerrando o Agosto Dourado e eu não poderia deixar de falar de um assunto tão importante quando se trata de amamentação.

Muitos profissionais da saúde não têm conhecimentos suficientes para compreender a confusão de bicos, e por isso alegam ser mito, ou dizem não haver referências científicas suficientes que comprovem o fenômeno.

Esta revisão foi realizada por mim para “colocar os pingos nos is” e explicar a biomecânica da DISFUNÇÃO MOTORA ORAL SECUNDÁRIA AO USO DE BICOS ARTIFICIAIS (CONFUSÃO DE BICOS).

O uso de bicos artificiais é um fator de risco para morbidades e mortalidade infantil, além de favorecer o surgimento de alterações na fala e permanência da respiração bucal decorrentes do desenvolvimento motor oral inadequado (NEIVA et. al., 2003).

Em 1995, Barros e. al. (tradução nossa) afirmaram que o uso de chupeta era altamente correlacionado com o desmame precoce, mesmo após o controle de possíveis fatores de confusão, mas não havia pesquisas suficientes que justificassem a influência dos bicos artificiais no desmame. Nos últimos 20 anos, pesquisadores do mundo inteiro, envolvidos com a causa do aleitamento materno realizaram pesquisas a fim de compreender o fenômeno conhecido hoje como “confusão de bicos”.

Em 2006, Gomes et. al. compararam a atividade dos músculos masseter, temporal e bucinador em diferentes métodos de alimentação de lactentes através de eletromiografia, encontrando maiores resultados na amplitude e média de contração do músculo masseter (músculo protagonista da mastigação) nos bebês em aleitamento materno, enquanto os bebês em uso de mamadeira apresentaram maior amplitude de contração do músculo Bucinador (músculo protagonista da sucção). Quanto ao músculo temporal (também atuante majoritariamente durante a mastigação), os bebês em aleitamento materno apresentaram maior amplitude e a maior média de contração foi encontrada utilizando-se o copo. O estudo concluiu que a hiperfunção do músculo bucinador durante o uso de mamadeiras pode resultar em alterações motoras orais e das funções neurovegetativas (mastigação, deglutição e aspectos funcionais da respiração), sugerindo o copo como método alternativo na alimentação de lactentes.

França et. al. (2008) sugerem que o uso de mamadeira influencia na técnica de amamentação, visto que crianças com alimentação mista (seio materno e mamadeira) podem desenvolver técnica incorreta de sucção no seio nos primeiros 30 dias, mesmo recebendo orientação na maternidade, culminando em desmame, pois a boa técnica de amamentação envolve esvaziamento efetivo das mamas, importante para manter a produção de leite. Quando a lactação é ineficiente, as crianças tendem a mamar com maior frequência, levando a mãe a complementar com outros leites. Aumentam ainda as chances de ocorrer traumas mamilares, outra causa frequente de abandono da amamentação.

Em 2014, Elad et. al. realizaram um estudo a fim de compreender o que acontece com a boca (em especial a língua) do bebê e o mamilo da mãe nos aspectos biomecânicos durante a amamentação, referindo que as crianças amamentadas preparam os músculos orofaciais para as futuras tarefas de mastigar e falar. Mencionam também que as crianças amamentadas têm maior saturação de oxigênio que as alimentadas por mamadeira. E concluem que durante a amamentação, respiração e deglutição são coordenadas pelo sistema nervoso central (SNC), de modo que o bebê consegue alimentar-se de forma contínua, sem interrupções respiratórias. A amamentação requer uma ação sincronizada de mandíbula, língua e lábios: o lactente abocanha aréola e mamilo fazendo com que que mamilo, aréola, tecido mamário e ductos lactíferos sejam atraídos para dentro da cavidade oral com a ponta do mamilo estendida até o palato mole (Fig. 1), então a criança movimenta a mandíbula para cima e para baixo, comprimindo as estruturas do seio materno, concomitantemente a movimentos ondulatórios de língua, que canalizam o leite e desencadeiam o reflexo de deglutição. O complexo mamilo-aréola durante a amamentação transforma-se num bico comprido, de tamanho duas vezes maior que seu estado natural. E este processo ocorre por pressão intraoral negativa. As oscilações na movimentação da língua são reguladas pelo volume dentro da boca. Ao contrário do aleitamento natural, durante a alimentação com mamadeiras, o fluxo de leite não se altera, tampouco os bicos se adaptam à cavidade oral, o bebê além de precisar sugar, precisa organizar o leite dentro da boca e engolir voluntariamente (Fig. 2). Gomes e Oliveira (2017), referem ainda que o uso de alternativas artificiais na alimentação do lactente reduz o tempo de aleitamento materno e de contato entre mãe e bebê, à medida que diminui a frequência das mamadas e, consequentemente, a produção de leite. E a ocorrência de desmame precoce se dá pelo fato de os bebês que fazem uso de bico artificial terem maior risco de rejeitar o seio materno, abandonando-o, por confusão de bicos, e pelo fato de a musculatura do bebê perder tonicidade e postura, e ainda pela diminuição na produção de leite gerada com a diminuição da frequência de amamentação.

bicos

Portanto, apesar de alguns profissionais acreditarem que a confusão de bicos se deva ao fato do bebê precisar fazer mais força ao sugar o seio materno que em mamadeiras e chupetas, recomendando o uso de bicos ortodônticos, à luz dos estudos acima listados, considerando que trata-se de musculaturas diferentes e que em seio materno o bebê não suga, ordenha, os bicos ortodônticos oferecem ainda mais riscos de ocorrência da confusão de bicos.

 

REFERÊNCIAS

NEIVA, F. C. B. et al. Desmame precoce: implicações para o desenvolvimento motor-oral. J Pediatr, v. 79, n. 1, p. 7-12, 2003.

BARROS, F. C. et al. Use of pacifiers is associated with decreased breast-feeding duration. Pediatrics, v. 95, n. 4, p. 497-499, 1995. Tradução nossa.

GOMES, C. F. et al. Surface electromyography of facial muscles during natural and artificial feeding of infants. Jornal de pediatria, v. 82, n. 2, p. 103-109, 2006.

FRANÇA, M. C. T. et. al. Uso de mamadeira no primeiro mês de vida: determinantes e influência na técnica de amamentação. Rev Saude Publica, v. 42, n. 4, p. 607-14, 2008.

ELAD, D. et al. Biomechanics of milk extraction during breast-feeding. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 111, n. 14, p. 5230-5235, 2014. Tradução nossa

GOMES, C. F.; OLIVEIRA, K. Amamentação: bases científicas: Anatomia e fisiologia do sistema estomatognático. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. p.19.

 

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